quinta-feira, 24 de novembro de 2016

#112 - COLEGIAL, José Régio

Em cima da minha mesa,
Da minha mesa de estudo,
Mesa da minha tristeza
Em que, de noite e de dia,
Rasgo as folhas, leio tudo
Destes livros em que estudo,
E me estudo
(Eu já me estudo...)
E me estudo,
A mim,
Também,
Em cima da minha mesa,
Tenho o teu retrato, Mãe!

À cabeceira do leito,
Dentro dum lindo caixilho,
Tenho uma Nossa Senhora
Que venero a toda a hora...
Ai minha Nossa Senhora
Que se parece contigo,
E que tem, ao peito,
Um filho
(O que ainda é mais estranho)
Que se parece comigo,
Num retratinho,
Que tenho,
De menino pequenino...!

No fundo da minha mala,
Mesmo lá no fundo a um canto,
Não lhes vá tocar alguém,
(Quem as lesse, o que entendia?
Só riria
Do que nos comove a nós...)
Já tenho três maços, Mãe,
Das cartas que tu me escreves
Desde que saí de casa...
Três maços -- e nada leves! --
Atados com um retrós...

Se não fora eu ter-te assim,
A toda a hora,
Sempre à beirinha de mim,
(Sei agora
Que isto de a gente ser grande
Não é como se nos pinta...)
Mãe!, já teria morrido,
Ou já teria fugido,
Ou já teria bebido
Algum tinteiro de tinta!

quarta-feira, 16 de novembro de 2016

#111 - À MEMÓRIA DE MEU IRMÃO JOAQUIM, Anrique Paço d'Arcos

«Escrever é vencer a Morte!»
Poemas Imperfeitos

Foi no Dia da Raça que morreste!
Mas não morreste, não: subiste aos Céus,
Onde o teu coração nas mãos de Deus,
Como um fruto de amor tu ofereceste.

E Deus sorriu, ao ver-te sem os véus
Das terrenas vaidades, e tiveste,
Lá no fulgor da Jerusalém Celeste,
A acolher-te na Luz, todos os teus.

Os teus já partiram, porque a nós,
Os que somos ainda aqui dispersos,
Quiseste um bem deixar que nos conforte:

Teu vulto de saudade, a tua voz,
Que fala nos teus livros e em teus versos,
Porque é escrevendo que se vence a Morte!

10 de Junho de 1979

terça-feira, 8 de novembro de 2016

#110 - "Elle avait pris ce pli dan son âge enfantin", Victor Hugo

Elle avait pris ce pli dan son âge enfantin
De venir dans ma chambre un peu chaque matin.
Je l'attendais ainsi qu'un rayon qu'on espère,
Elle entrait, et disait: Bonjour, mon petit père.
Prenait ma plume, ouvrait mes livres, et s'asseyait
Sur mon lit, dérangeait mes papiers, et riait,
Puis soudain s'en allait, comme un oiseau qui passe.
Alors je reprenais, la tête un peu moins lasse,
Mon oeuvre interrompue, et tout en écrivant,
Parmi mes manuscrits, je rencontrais souvent
Quelque arabesque folle et qu'elle avait tracée,
Et mainte feuille blanche entre ses mains froisée,
Où, je ne sais comment, venaient mes plus doux vers.
Elle aimait Dieu, les fleurs, les astres, les prés verts,
Et c'était un esprit avant d'être une femme.
Son esprit reflétait la clarté de son âme,
Elle me consultait sur tout à tous moments.
Oh! que de soirs d'hiver radieux et charmants,
Passés à raisonner langue, histoire et grammaire,
Mes quatre enfants groupés sur mes genoux, leur mère
Tout près, quelques amis causant au coin du feu!
J'appelais cette vie être content de peu!
Et dire qu'elle est morte! Hélas! que Dieu m'assiste!
Je n'étais jamais gai quand je la sentais triste;
J'étais morne au milieu du bal le plus joyeux
Si j'avais, en partant, vu quelque ombre en ses yeux.

segunda-feira, 7 de novembro de 2016

#109 - ANJO ENFERMO, Afonso Celso

Geme no berço, enferma, a criancinha,
Que não fala, não anda e já padece...
Penas assim cruéis por que as merece
Quem mal entrando na existência vinha?!

Ó melindroso ser, ó filha minha!
Se os céus ouvissem a paterna prece,
E a mim o teu sofrer passar pudesse,
-- Gozo me fora a dor que te espezinha.

Como te aperta a angústia o frágil peito!
E Deus, que tudo vê, não t'a extermina,
Deus que é bom, Deus que é pai, Deus que é perfeito

Sim, é pai, mas -- a crença no-lo ensina:
-- Se viu morrer Jesus, quando homem feito,
Nunca teve uma filha pequenina!...