quinta-feira, 27 de outubro de 2016

#108 - À MA FILLE ADÈLE, Victor Hugo

Tout enfant, tu dormais près de moi, rose et fraîche
Comme un petit Jésus accroupi dans la crèche;
Ton pur sommeil était si calme et si charmant
Que tu n'entendais pas l'oiseau chanter dans l'ombre;
Moi, pensif, j'aspirais la douceur sombre
Du mystérieux firmament.

Et j'écoutais voler sur ta tête les anges
Et je te regardais dormir; et sur tes langes
J'effeuillais des jasmins et des oillets sans bruit;
Et je priais, veillant sur tes paupières closes;
Et mes yeux se mouillaeint de pleurs, songeant aux choses
Qui nous attendent dans la nuit.

Un jour mon tour viendra de dormir, et ma couche,
Faite d'ombre, sera si morne et si farouche
Qui je n'entendrai pas non plus chanter l'oiseau;
Et la nuit sera noire; alors, ô ma colombe,
Larmes, prières et fleurs, tu rendras à ma tombe
Ce que j'ai fait pour ton berceau.

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

#107 - VERSOS DE PURA SAUDADE, Fausto José

AO JOSÉ RÉGIO
 
Não terá consolação
A mágoa de ver partir,
Os que nos são mais queridos.

Decerto,
Nunca serão esquecidos
Todos aqueles que andaram
Mais perto,
Que foram quase de nós,
E que em noss'alma gravaram
O jeito da sua alma,
O timbre da sua voz...

O mesmo sonho que os trouxe,
Na mesma onda os levou!...

Mas aqueles, cujos sonhos,
Nascidos como enleados
Subiram,
À mesma luz floriram,
Duma só haste caíram
Desfolhados,
Serão mais do que lembrados!...

A vida como um clarão!
Todos meus pensamentos por defesa,
Resvalo desta impotência,
A algema desta certeza:
Que não tem consolação
A mágoa de os ver partir,
De lágrimas quase no olhar,
                                 Sorrindo...
                                        Partindo...

quarta-feira, 19 de outubro de 2016

#106 - A GOTA DE ÁGUA, Augusto Gil

A lágrima triste
Que por ti surgiu
Mal que tu a viste,
Quase se não viu...

Como quem desiste,
Logo se deliu...
E, mal lhe sorriste,
Logo te sorriu.

Já não era a dor,
O sinal aflito
Duma funda mágoa;
Era o infinito
-- O infinito amor
Numa gota de água...

domingo, 16 de outubro de 2016

#105 - AMOR, Edmundo de Bettencourt

Amas demais... não possuis
o amor que todos têm.
Quem ama tudo não pode
ser amado por alguém.

O amor de tudo é ninguém
mas coração mais fecundo,
que por não saber beijar
só tarde conquista o mundo.

De longe o sol nos aquece,
de longe nos abre focos...
-- Ó cinco chagas de Cristo,
no espelho de misantropos!

Só é do Sol quem tem asas,
para um voo longo e leve...
-- quem antes que a luz o cegue
chega lá desfeito em brasas!

quarta-feira, 12 de outubro de 2016

#104 - SONETO, Carlos Queirós

Num veleiro chegou aquele dia
Do teu adeus e lágrimas no cais
De há muitos anos: Sim, há muitos mais,
-- Quando, talvez, nem mesmo cais havia...
Tu eras minha, lembras-te? e chovia;
Mas não em nós: somente sobre o arrais
De oleado vestido... vendavais
Uma aragem do norte prometia.
Que nuvem tão cerrada de gaivotas
Tanto tempo de ti me separou!
Que alegria que foi as velas rotas
Quando perto do porto a nau parou!
Que estranhas e fantásticas derrotas
Alguém, batendo à porta, malogrou!

quinta-feira, 6 de outubro de 2016

#103 - DE TÃO PERTO, Miguel Serras Pereira

Chega a doer olhar-te de tão perto
primeiro só tocar o infinito
da distância -- depois em toda a parte
estar por dentro dela em ti -- aí

onde a dor de te olhar se fará dia
ou o tempo agora ama e deita carne
de regresso ao imenso sol vazio
que em tudo o que acontece permanece

mortal nascente branca -- e água e pura
transparência da ausência mais extrema
por onde morre e nasce enquanto pulsa
em cada veia todo o universo

Chega a doer olhar-te de tão perto
ousar a eternidade a tempo aberto

segunda-feira, 3 de outubro de 2016

#102 - "Suspiros inflamados, que cantais", Luís de Camões

Suspiros inflamados, que cantais
A tristeza com que eu vivi tão ledo,
Eu mouro e não vos levo, porque hei medo
Que ao passar do Lete vos percais.

Escritos para sempre já ficais
Onde vos mostrarão todos co dedo,
Como exemplo de males; que eu concedo
Que para aviso de outros estejais.

Em quem, pois, virdes falsas esperanças
De Amor e da Fortuna, cujos danos
Alguns terão por bem-aventuranças,

Dizei-lhe que os servistes muitos anos,
E que em Fortuna tudo são mudanças,
E que em Amor não há senão enganos.

domingo, 2 de outubro de 2016

#101 - "Vai se tens de ir -- disse ela. Rezarei", Dandin

Vai se tens de ir -- disse ela. Rezarei
para que os deuses te protejam sempre.
E aqui te juro que hei-de renascer
lá onde quer que fiques, meu amor.


(versão de Jorge de Sena)