segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

#114 - "Minha mais querida.", José Craveirinha

Minha mais querida.
Mais do que nunca
é necessário
amar.
Mas amar bem.
Amar muito.
Amar sempre mais.
Amar sim como só eu te amo.
Amar mais do que é preciso.
Amar muitas vezes desesperadamente.
Amar sempre tanto
tanto...
tanto...
tanto quase como quem delira.

Ou então meu amor
amar acima de tudo
e além de todos
mas amar sempre mais do que a raiva
mil vezes raivosa de quem na prisão
nos odeia!

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

#113 - A DUQUESA DE BRABANTE, Gomes Leal

Tem um leque de plumas gloriosas,
Na sua mão macia e cintilante,
De anéis de pedras finas preciosas
A Senhora Duquesa de Brabante.

Numa cadeira de espaldar doirado,
Escuta os galanteios dos barões.
-- É noite: e, sob o azul morno e calado,
Concebem, os jasmins e os corações.

Recorda o senhor Bispo acções passadas.
Falam damas de jóias e cetins.
Tratam barões de festas e caçadas
À moda goda: -- aos toques dos clarins,

Mas a Duquesa é triste. -- Oculta mágoa
Vela seu rosto de um solene véu.
-- Ao luar, sobre os tanques chora a água...
-- Cantando, os rouxinóis lembram o céu...

Dizem as lendas que Satã, vestido
De uma armadura feita de um brilhante,
Ousou falar do seu amor florido
À Senhora Duquesa de Brabante.

Dizem que o ouviram ao luar nas águas,
Mais loiro do que o sol, marmóreo, e lindo,
Tirar de uma viola estranhas mágoas,
Pelas noites que os cravos vêm abrindo...

Dizem mais que na seda das varetas
Do seu leque ducal de mil matizes...
Satã cantara as suas tranças pretas,
-- E os seus olhos mais fundos que as raízes!

Mas a Duquesa é triste. -- Oculta mágoa
Vela no seu rosto de um solene véu.
-- Ao luar, sobre os tanques chora a água...
-- Cantando, os rouxinóis lembram o céu...

O que é certo é que a pálida Senhora,
A transcendente Dama de Brabante,
Tem um filho horroroso... e de quem cora
O pai, no escuro, passeando errante.

É um filho horroroso e jamais visto! --
Raquítico, enfezado, excepcional,
Todo disforme, excêntrico, malquisto,
-- Pêlos de fera, e uivos de animal!

Parece irmão dos cerdos ou dos ursos,
Aborto e horror da brava Natureza...
-- Em vão tentam barões, com mil discursos,
Desenrugar a fronte da Duquesa.

Sempre a Duquesa é triste. -- Oculta mágoa
Vela seu rosto de um solene véu.
-- Ao luar, sobre os tanques chora a água...
-- Cantando, os rouxinóis lembram o céu...

Ora o monstro morreu. -- Pelas arcadas
Do palácio retinem festas, hinos.
Riem nobres, vilões, pelas estradas.
O próprio pai se ri, ouvindo os sinos...

Riem-se os monges pelo claustro antigo.
Riem vilões trigueiros pelas charruas.
Riem-se os padres, junto ao seu jazigo.
Riem-se nobres e peões nas ruas.

Riem aias, barões, erguendo os braços.
Riem, nos pátios, os truões também.
Passeia o duque, rindo, nos terraços.
-- Só chora o monstro, em alto choro, a mãe!...

Só, sobre o esquife do disforme morto,
Chora, sem trégua, a mísera mulher.
Chama os nomes mais ternos ao aborto...
-- Mesmo assim feio, a triste mãe o quer!

Só ela chora pelo morto!... A mágoa
Lhe arranca gritos que a ninguém mais deu!
-- Ao luar, sobre os tanques chora a água...
-- Cantando, os rouxinóis lembram o céu...