quarta-feira, 19 de abril de 2017

#123 - NUNCA O AMOR FOI BREVE..., Sebastião da Gama

Nunca o Amor foi breve,
quando deu fruto.
(Cantai, aves do ar,
em volta do seu berço!)

Sagre-o a Dor, nenhum Amor é vão.
Exulta, voz das ondas!
-- O seu Amor floriu, deu fruto,
como as árvores.

Cantai, aves do ar,
em volta do seu berço.
Cintilantes do Sol, saltai ao Sol,
peixes do Mar.

nunca o Amor foi triste. Nem a Vida
foi menos bela.
Baila contente, lágrima!,
baila nos olhos dela.

terça-feira, 11 de abril de 2017

#122 - CASCAIS, Almeida Garrett

Acabava ali a Terra
Nos derradeiros rochedos,
A deserta árida serra
Por entre os negros penedos
Só deixa viver mesquinho
Triste pinheiro maninho.
 
E os ventos despregados
Sopravam rijos na rama,
E os céus turvos, anuviados,
O mar que incessante brama
Tudo ali era braveza
De selvagem natureza.
 
Aí, na quebra do monte,
Entre uns juncos mal medrados,
Seco o rio, seca a fonte,
Ervas e matos queimados,
Aí nessa bruta serra,
Aí foi um Céu na Terra.
 
Ali sós no mundo, sós,
Santo Deus!, como vivemos!
Como éramos tudo nós
E de nada mais soubemos!
Como nos folgava a vida
De tudo o mais esquecida!
 
Que longos beijos sem fim,
Que falar dos olhos mudo!
Como ela vivia em mim,
Como eu tinha nela tudo,
Minha alma em sua razão,
Meu sangue em seu coração!
 
Os anjos aqueles dias
Contaram na eternidade:
Que essas horas fugidias,
Séculos na intensidade,
Por milénios marca Deus
Quando as dá aos que são seus.
 
Ai!, sim! foi a tragos largos,
Longos, fundos que a bebi
Do prazer a taça – amargos
Depois... depois os senti
Os travos que ela deixou...
Mas como eu ninguém gozou.
 
Ninguém: que é preciso amar
Como eu amei – ser amado
Como eu fui; dar, e tomar
Do outro ser a que se há dado,
Toda a razão, toda a vida
Que em nós se anula perdida.
 
Ai, ai!, que pesados anos
Tardios depois vieram!
Oh!, que fatais desenganos,
Ramo a ramo, a desfizeram
A minha choça na serra,
 
Lá onde de acaba a Terra!
Se o visse... não quero vê-lo
Aquele sítio encantado.
Certo estou não conhecê-lo,
Tão outro estará mudado,
Mudado como eu, como ela,
Que a vejo sem conhecê-la!
 
Inda ali acaba a Terra,
Mas já o céu não começa;
Que aquela visão da serra
Sumiu-se na treva espessa,
E deixou nua a bruteza
Dessa agreste natureza.

quinta-feira, 30 de março de 2017

#121 - SOMOS DE BARRO, Sebastião da Gama

Somos de barro. Iguais aos mais.
Ó alegria de sabê-lo!
(Correi, felizes lágrimas,
por sobre o seu cabelo!)

Depois de mais aquela confissão,
impuros nos achámos;
nos descobrimos
frutos do mesmo chão.

Pecado, Amor? Pecado fora apenas
não fazer do pecado
a força que nos ligue e nos obrigue
a lutar lado a lado.

O meu orgulho assim é que nos quer.
Há-de ser nosso o pão, ser nossa a água.
Mas vencidas os ganhem, vencedoras,
nossa vergonha e nossa mágoa.

O nosso Amor, que história sem beleza,
se não fora ascensão e queda e teimosia,
conquista... (E novamente queda e novamente
luta, ascensão...) Ó meu Amor, tão fria,

se nascêramos puros, nossa história!

Chora sobre o meu ombro. Confessámos.
E mais certos de nós, mais um do outro,
mais impuros, mais puros, nós ficámos.

sexta-feira, 24 de março de 2017

#120 - "uma flor abriu", amadeu liberto fraga

uma flor abriu
e vi:

não foste a primeira
nem serás a última.
lembra, foste a única

que não amei.

perdoa.

quinta-feira, 23 de março de 2017

#119 - CHAMA E FUMO, Manuel Bandeira

Amor -- chama, e, depois, fumaça...
Medita no que vais fazer:
O fumo vem, a chama passa...

Gozo cruel, ventura escassa,
Dono do meu e do teu ser,
Amor -- chama, e, depois, fumaça...

Tanto ele queima! -- e, por desgraça,
Queimado o que melhor houver,
O fumo vem, a chama passa...

Paixão puríssima ou devassa,
Triste ou feliz, pena ou prazer,
Amor -- chama, e, depois, fumaça...

A cada par que a aurora enlaça,
Como é pungente o entardecer!
O fumo vem, a chama passa...

Antes, todo ele é gosto e graça.
Amor, fogueira linda a arder!
Amor -- chama, e, depois, fumaça...

Porquanto, mal se satisfaça,
(Como te poderei dizer?...)
O fumo vem, a chama passa...

A chama queima. O fumo embaça.
Tão triste que é! Mas, tem de ser...
Amor?... -- chama, e, depois, fumaça:
O fumo vem, a chama passa...


Teresópolis, 1911.

terça-feira, 21 de março de 2017

#118 - BALADA DO AMOR E DO ESPÍRITO, Fernando de Paços

Que bom era exprimi-la!
Mas só posso sonhá-la...
Como era bom levá-la,
como era bom!... Tranquila!

Como era bom despi-la
ao poder encontrá-la!
-- Já não sorri. Não fala.
Da carne separá-la,
como era bom despi-la!

Acordá-la e despi-la,
do seu corpo despi-la!
mas a alma, que é sua,
que bom era levá-la!
para longe levá-la...
para bebê-la, nua.
-- Já não respira... Estua.
-- Já não responde... Cala.

sexta-feira, 17 de março de 2017

#117 - SOLENEMENTE, Hermes Fontes

Juro por tudo quanto é jura... Juro,
por mim... por ti... por nós... por Jesus Cristo
-- que hei-de esquecer-te! Vê-me: estou seguro
contre o teu sólio, a cuja queda assisto.

E, visto que duvidas tanto, visto
que ris do que, solene, te asseguro,
juro mais: pelo Ser em que consisto
por meu Passado, pelo meu Futuro,

Juro pela Mãe-Virgem concebida;
pelas venturas de que vou no encalço!
por minha vida!... pela tua vida...

Juro por tudo que mais amo e exalço!...
...E, depois de uma jura tão comprida,
juro... juro que estou jurando falso!...

quarta-feira, 15 de março de 2017

#116 - CANÇÃO DE OUTONO, António Botto

Ritmo de soluços
Tem esta triste canção
Na aparência toda calma;
É que sobe à minha boca
O que trago na minha alma.

É hoje que tenho penas.
-- As mesmas que sempre tive --
Assim lembrando-as a fundo
Sinto que a vida
Me sustem no meu declive...
 

Cantando, a gente, amortece
A mágoa maior que seja.
É como beijar a boca
Dalguém que também nos beija.

Coração -- pobre erradio,
Quando acabas de cantar?
-- Acaba, que tenho frio...
Dir-se-ia que vai nevar...

sexta-feira, 3 de março de 2017

#115 - NA ESQUINA DO VENTO, Cristóvão de Aguiar

minha casa plantaste na esquina do vento
onde as marés afinam suas melodias
desde então te respiro e ganho meu sustento
caiando de palavras os muros dos dias

entre o meu e o teu corpo um intervalo lento
que a baixa-mar escolta bem de penedias
redobra o meu querer-te quanto mais te invento
e só depois me vejo de órbitas vazias.

velha pecha esta minha de mergulhar
nos confins do teu nome para te procurar
e a mim também por rumos que eu já nem sabia.

à minha conta trouxe o mar dentro em mim
vazei-o no meu búzio no dia em que vim
-- ouço o marulhar não lhe cheiro a maresia.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

#114 - "Minha mais querida.", José Craveirinha

Minha mais querida.
Mais do que nunca
é necessário
amar.
Mas amar bem.
Amar muito.
Amar sempre mais.
Amar sim como só eu te amo.
Amar mais do que é preciso.
Amar muitas vezes desesperadamente.
Amar sempre tanto
tanto...
tanto...
tanto quase como quem delira.

Ou então meu amor
amar acima de tudo
e além de todos
mas amar sempre mais do que a raiva
mil vezes raivosa de quem na prisão
nos odeia!

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

#113 - A DUQUESA DE BRABANTE, Gomes Leal

Tem um leque de plumas gloriosas,
Na sua mão macia e cintilante,
De anéis de pedras finas preciosas
A Senhora Duquesa de Brabante.

Numa cadeira de espaldar doirado,
Escuta os galanteios dos barões.
-- É noite: e, sob o azul morno e calado,
Concebem, os jasmins e os corações.

Recorda o senhor Bispo acções passadas.
Falam damas de jóias e cetins.
Tratam barões de festas e caçadas
À moda goda: -- aos toques dos clarins,

Mas a Duquesa é triste. -- Oculta mágoa
Vela seu rosto de um solene véu.
-- Ao luar, sobre os tanques chora a água...
-- Cantando, os rouxinóis lembram o céu...

Dizem as lendas que Satã, vestido
De uma armadura feita de um brilhante,
Ousou falar do seu amor florido
À Senhora Duquesa de Brabante.

Dizem que o ouviram ao luar nas águas,
Mais loiro do que o sol, marmóreo, e lindo,
Tirar de uma viola estranhas mágoas,
Pelas noites que os cravos vêm abrindo...

Dizem mais que na seda das varetas
Do seu leque ducal de mil matizes...
Satã cantara as suas tranças pretas,
-- E os seus olhos mais fundos que as raízes!

Mas a Duquesa é triste. -- Oculta mágoa
Vela no seu rosto de um solene véu.
-- Ao luar, sobre os tanques chora a água...
-- Cantando, os rouxinóis lembram o céu...

O que é certo é que a pálida Senhora,
A transcendente Dama de Brabante,
Tem um filho horroroso... e de quem cora
O pai, no escuro, passeando errante.

É um filho horroroso e jamais visto! --
Raquítico, enfezado, excepcional,
Todo disforme, excêntrico, malquisto,
-- Pêlos de fera, e uivos de animal!

Parece irmão dos cerdos ou dos ursos,
Aborto e horror da brava Natureza...
-- Em vão tentam barões, com mil discursos,
Desenrugar a fronte da Duquesa.

Sempre a Duquesa é triste. -- Oculta mágoa
Vela seu rosto de um solene véu.
-- Ao luar, sobre os tanques chora a água...
-- Cantando, os rouxinóis lembram o céu...

Ora o monstro morreu. -- Pelas arcadas
Do palácio retinem festas, hinos.
Riem nobres, vilões, pelas estradas.
O próprio pai se ri, ouvindo os sinos...

Riem-se os monges pelo claustro antigo.
Riem vilões trigueiros pelas charruas.
Riem-se os padres, junto ao seu jazigo.
Riem-se nobres e peões nas ruas.

Riem aias, barões, erguendo os braços.
Riem, nos pátios, os truões também.
Passeia o duque, rindo, nos terraços.
-- Só chora o monstro, em alto choro, a mãe!...

Só, sobre o esquife do disforme morto,
Chora, sem trégua, a mísera mulher.
Chama os nomes mais ternos ao aborto...
-- Mesmo assim feio, a triste mãe o quer!

Só ela chora pelo morto!... A mágoa
Lhe arranca gritos que a ninguém mais deu!
-- Ao luar, sobre os tanques chora a água...
-- Cantando, os rouxinóis lembram o céu...