segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

#76 - "Os anos vêm e vão", Heinrich Heine

Os anos vêm e vão,
gerações baixam à terra,
mas nunca em meu coração
fenece o amor que ele encerra...

E só quisera, ao morrer,
quando a esperança é já finda,
de joelhos vos dizer:
Senhora, eu vos amo ainda!

(tradução: Luís Cardim)

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

#75 - SONETO, Darcy Damasceno

Quem te sonhara plasma de água e canto,
Límpida e nua, rosa de cristal,
Substância de silêncio concentrado
Egressa de meu sonho para o azul.

Quem te cantara acima de meu sonho,
-- Quedo este amor -- só puro pensamento
E corpo nu, beleza fabulosa
Que a morte apenas torna perdurável.

Não mais meu canto, que hoje serenado,
Pastor de sombras, te transmuta em símbolos,
Alheio ao tempo, junto a um velho rio.

Não mais o sonho, agora solitário;
Amor não mais, que, a vida alimentando,
Flui subterrâneo, em mito transformado.

domingo, 18 de janeiro de 2015

#74 - «Eu, louçana, en quant' eu viva for», Martim de Padroselos

Eu, louçana, en quant' eu viva for,
nunca já mais creerei per amor,
     pois [que] me mentiu o que namorei,
     nunca já mais per amor creerei,
     pois que mi mentiu o que namorei.

E, pois m' el foi a seu grado mentir,
des oimais me quer' eu d'amor partir,
     pois [que] me mentiu o que namorei,
     nunca já mais per amor creerei,
     pois que mi mentiu o que namorei.

E, direi-vos que lhi farei por en:
d'amor non quero seu mal, nen seu ben,
     pois [que] me mentiu o que namorei,
     nunca já mais per amor creerei,
     pois que mi mentiu o que namorei.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

#73 - "Ao teu lado, mudo", Nuno Rocha Morais

                                                            Invadiu-me uma sensação de calma,
                                                            de tristeza e de fim.

                                                            VIRGINA WOOLF
Ao teu lado, mudo.
Suponho que pousei a mão
No teu ombro, não sei,
Ausentes ambos,
Tu do ombro, eu da mão.
Lá fora, não muito longe
Do vidro, a manhã passa
E é calma, tristeza, fim.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

#72 - "Non chegou, madr', o meu amigo", D. Dinis

Non chegou, madr', o meu amigo,
e oj' est' o prazo saído!
          Ai, madre, moiro d'amor!

Non chegou, madr', o meu amado,
e oj' est' o prazo passado!
          Ai, madre, moiro d'amor!

E oj' est' o prazo saído!
Por que mentiu o desmentido?
           Ai, madre, moiro d'amor!

E oj' est' o prazo passado!
Por que mentiu o prejurado?
          Ai, madre, moiro d'amor!

Por que mentiu o perjurado,
pesa-mi, pois mentiu a seu grado.
          Ai, madre, moiro d'amor!

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

#71 - SONETO, Alberto da Costa e Silva,

Cerâmica e tear: as mãos trabalham
e constroem o amor num fim de tarde
como jarro de rústico gargalo
ou fino pano arcaico. Sôbre o barro

põem desenhos mais jovens de suaves
moças dançando e restos de paisagens
da infância e da montanha: perfis núbios
sôbre o vermelho poente desse jarro.

E a substância mais tímida do sonho
nas mãos do artesão faz de seu pranto
e cismas, riso e ardor, tecido raro

em que se borda uma novilha, bela
como o beijo em setembro, em que se fez
o amor com outro fio e um outro barro.

quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

#70 - UN SECRET, Félix Arvers

Mon âme a son secret, ma vie a son mystère:
Un amour éternel en un moment conçu;
Le mal est sans espoir, aussi j'ai dû le taire,
Et celle qui l'a fait n'en a jamais rien su.

Hélas! j'aurai passé près d'elle inaperçu,
Toujours a ses côtés, et pourtant solitaire,
Et j'aurai jusqu'au bout fait mon temps sur la terre,
N'osant rien demander et n'ayant rien reçu.

Pour elle, quoique Dieu l'ait faite douce et tendre,
Elle ira son chemin, distraite, et sans entendre
Ce murmure d'amour élevé sur ses pas;

A l'austère devoir pieusement fidèle,
Elle dira, lisant ces verses tout remplis d'elle:
"Quelle est donc cette femme?" et ne comprendera pas.