quinta-feira, 19 de junho de 2014

#25 - ROSAS E CANTIGAS, Afonso Duarte

Eu hei-de despedir-me desta lida,
Rosas? -- Árvores! hei-de abrir-vos covas
E deixar-vos ainda quando novas?
Eu posso lá morrer, terra florida!

A palavra de adeus é a mais sentida
Deste meu coração cheio de trovas...
Só bens me dê o céu! eu tenho provas
Que não há bem que pague o desta vida.

E os cravos, manjerico, e limonete,
Oh! que perfume dão às raparigas!
Que lindos são nos seios do corpete!

Como és, nuvem dos céus, água do mar,
Flores que eu trato, rosas e cantigas,
Cá, do outro mundo, me fareis voltar.

segunda-feira, 16 de junho de 2014

#24 - THE GRAVE, Anónimo (séc. XIII)

Já tinhas pronta uma casa
inda estavas por nascer;
não é alta nem folgada,
mal te podes estender;
o tecto não se alevanta,
fica em cima do teu peito;
é à justa o comprimento
por tua medida feito;
as paredes são de terra
talhadinha com cautela;
não tem postigo nem porta
nem poderás sair dela;
chamas pelos teus amigos,
nenhum quedou a teu lado;
ninguém virá de mansinho
ver se dormes descansado:
pois só os vermes, aí
na pousada negra e fria,
não terão nojo de ti
e te farão companhia.
(versão de Luís Cardim)

#23 - CANTIGA: PARTINDO-SE, João Roiz de Castelo Branco

Senhora, partem tão tristes
Meus olhos por vós, meu bem,
Que nunca tão tristes vistes
Outros nenhuns por ninguém.

Tão tristes, tão saudosos,
Tão doentes da partida,
Tão cansados, tão chorosos,
Da morte mais desejosos
Cem mil vezes que da vida.
Partem tão tristes os tristes,
Tão fora de esperar bem,
Que nunca tão tristes vistes
Outros nenhuns por ninguém.

domingo, 8 de junho de 2014

#22 - "Se apartada do corpo a doce vida", Anónima (século XVII)

Se apartada do corpo a doce vida,
Domina em seu lugar a dura morte,
De que nasce tardar-me tanto a morte,
Se ausente d'alma estou, que me dá vida?

Não quero sem Silvano já ter vida,
Pois tudo sem Silvano é viva morte;
Já que se foi Silvano venha a morte,
Perca-se por Silvano a minha vida.

Ah! Suspirado ausente, se esta morte
Não te obriga a querer vir dar-me vida,
Como não me vem dar a mesma morte?

Mas se n'alma consiste a própria vida,
Bem sei que se me tarda tanto a morte
Que é porque sinta a morte de tal vida.

quinta-feira, 5 de junho de 2014

#21 - "Conheço o turismo dos cemitérios.", José Emílio-Nelson

Conheço o turismo dos cemitérios.
Que pouco importa a morte comendo a terra,
Já se ouviu dizer. A que vens?
Ao loureiro umbroso mais a purpúrea hera
A crescer para o céu fascista (de Pound).
À campa (de Morrison)
Aplanada, danificada,
Vigiado por polícias todos crentes
Na ressurreição dos mortos.